Canoagem Slalom: Importância olímpica e privilégio para atletas brasileiros


Importância olímpica e privilégio para atletas brasileiros em se ter disponíveis dois canais de nível internacional

Por Argos Gonçalves Dias Rodrigues – membro do Comitê de Canoagem Slalom da Confederação Brasileira de Canoagem

Tecnicamente o nível de dificuldade da navegação em uma pista de canoagem montada em rios naturais comparando ao encontrado em eventos realizados em canais artificiais é completamente distinto, sendo muito mais complicada a execução das manobras nos canais de concreto onde a água se torna mais “mexida” (na terminologia utilizada pelos próprios atletas).

No Continente Americano apenas o Brasil e os Estados Unidos podem se dar ao luxo de contar com essas importantes ferramentas olímpicas, nenhum outro país do continente possui canal artificial construído especificamente para a prática da Canoagem Slalom. Após os Jogos Rio2016, o Brasil passou para o seleto grupo de países que possuem mais de um canal artificial visando esta finalidade desportiva. Para se ter ideia do que significa isso, basta lembrar que na Europa somente as principais potências do esporte como a França, Alemanha, Inglaterra, República Tcheca, Eslováquia e Eslovênia ingressam nesse grupo.

Os canais artificiais tiveram início nos Jogos Olímpicos de 1972, em Munique, quando então os alemães apresentaram ao mundo a possibilidade de se praticar o esporte em um local propício para a Canoagem Slalom, onde o homem pudesse controlar a vazão independentemente das intempéries e estabelecer o nível de dificuldade introduzindo obstáculos artificiais. Embora construído a 70 km da sede dos Jogos, na Cidade de Augsburg, esse primeiro canal artificial é utilizado até hoje para grandes eventos previstos no calendário da Federação Internacional de Canoagem, sem que para isso tenha sido necessária qualquer reforma significativa.

Após Munique, a Canoagem Slalom ficou fora dos Jogos Olímpicos para retornar apenas no ano de 1992, nos Jogos de Barcelona. Da mesma forma que aconteceu em 1972, o canal de canoagem não foi construído na cidade sede. Na Espanha escolheram La Seu d´Urgell, cidade distante a aproximadamente 200 Km de Barcelona, mas com maior possibilidade de água o ano todo. Também da mesma forma que o Canal de Augsburg, La Seu D´Urgell é presença constante em todos os calendários da Federação Internacional, tendo uma importância fundamental neste ciclo de 2017/2020, pois lá serão definidas as primeiras vagas para os Jogos Olímpicos de Tóquio2020, no Campeonato Mundial que será realizado em setembro de 2019.

Depois de La Seu d´Urgell vários canais artificiais começaram a surgir no mundo, inclusive no Brasil quando no ano de 1996 o Governador do Estado do Paraná resolveu criar um evento para divulgar a Costa Oeste do Estado através dos Jogos Mundiais da Natureza. Para elaboração do projeto o Estado trouxe alguns especialistas e um deles foi o Sr. Manolo Fonseca, ex-presidente da federação espanhola de canoagem, ex-membro do Board da ICF e CEO dos Jogos Olímpicos de Barcelona na época. Deslumbrado com as possibilidades dos locais previstos para a execução do evento, sugeriu a construção do Canal para a realização das provas de Canoagem Slalom e Rafting.

Para essas duas modalidades, a intenção do Governo do Estado foi de aproveitar uma demanda ambiental existente com a construção da Itaipu Binacional, onde a migração dos peixes se interrompeu em decorrência da magnífica e necessária obra de engenharia, e realizar um bypass entre o reservatório e o Rio Paraná. Quem teve o privilégio de conhecer o projeto inicial, a intenção era transformar toda área do Parque da Piracema em um grande atrativo turístico para a Cidade, com exploração de passeios de rafting da tomada de água até o Rio Paraná através do leito natural do Rio Bela Vista, que com certeza absoluta teria procura similar aos melhores passeios ecoturísticos já realizados em Foz.

Finalizando a parte de concretagem da obra, logo após o chamado Lago Superior, estavam previstos dois canais para a canoagem. O primeiro chamado Canal de Águas Bravas e o segundo chamado de Canal de Iniciação. Aquele com volume de água de até 20 m3/s, onde os principais atletas deveriam treinar e serem realizadas as competições e o segundo para os jovens atletas iniciantes de Foz do Iguaçu. Para elaboração do Projeto, o Governo do Estado do Paraná, foi buscar na Espanha o engenheiro projetista do circuito de canoagem utilizado nos Jogos Olímpicos de Barcelona: Sr. Ramon Ganyet Solé.

A estrutura financiada pelo Governo do Estado do Paraná sempre teve três importantes viés: esporte, turismo e meio ambiente, cada qual com a sua importância característica, porém todas com o respaldo financeiro público e devidamente previstos no objeto licitatório. Isso se comprova com as contratações internacionais dos especialistas espanhóis e dos editais licitatórios e projetos da época. Infelizmente aconteceram vários problemas na execução da obra os quais acabaram aniquilando grande parte do escopo precípuo.

O fato é que a conclusão da obra prevista para 1997 veio a acontecer somente em 2006, quando a Itaipu Binacional autorizou, de forma corajosa e inédita, o ingresso do esporte e a Prefeitura de Foz do Iguaçu auxiliou a Confederação Brasileira nas alocações dos obstáculos de fundo, finalizando assim o primeiro e único canal de canoagem do Continente Americano até então.

Neste ano de 2018 o Canal Itaipu estará completando 12 (doze) anos de eventos desportivos com várias ações de nível nacional e internacional, ganhando status da Federação Internacional de Canoagem como um dos circuitos mais importantes do mundo. Ao todo foram realizados 7 eventos internacionais (sendo 3 mundiais) e 17 eventos nacionais. Poucos locais no mundo conseguiram essa performance extraordinária em sediar grandes eventos de canoagem. Este excelente desempenho foi reconhecido pelo próprio Governo Federal que hoje considera o Canal Itaipu como Centro Nacional de Treinamento: http://www.esporte.gov.br/index.php/institucional/alto-rendimento/rede-nacional-de-treinamento

Como em qualquer outro esporte não relacionado à bola, as coisas tendem a evoluir na busca sempre constante de mais adesões, espaços na mídia e da própria autossustentabilidade. Com essa visão de transformar um centro de canoagem em um produto turístico, os organizadores dos Jogos Olímpicos de Sidney, no ano de 2000, inovaram com a introdução dos “rapid bloks” como obstáculos de fundo no canal olímpico. Ao invés de pedras, lançaram moda blocos de plástico rotomoldados que se encaixavam facilitando assim a construção ideal de uma corredeira para o esporte e para a prática do rafting turístico que atualmente financia as despesas da imensa maioria dos centros de treinamento do mundo.

Do início do século até os dias de hoje, vários canais artificiais foram construídos utilizando-se das duas tecnologias: da forma antiga, com pedras e a da forma mais moderna, com blocos de plásticos rotomoldados. Ambas as tecnologias são válidas e bastante utilizadas no circuito internacional. Não há que se falar em canal obsoleto por sua idade e muito menos em projetos oficiais previstos pela Federação Internacional. As duas únicas características realmente importantes são o desnível aproximado de 2% e a vazão mínima de 12 m3/s.

Nesta última década, por exemplo, dois canais construídos e que fazem parte do rol dos mais importantes e procurados pelas equipes de todo o mundo atualmente são Paul, na França e Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Ambos construídos com a utilização apenas de pedras e não dos blocos de plástico e, com absoluta certeza, essa escolha não foi objetivando a redução de custos.

Além destes canais, Augsburg (GER), La Seu D´Urgell (ESP), Praga (CZE) e Tacen (SLO) são sedes frequentes de Copas do Mundo e Mundiais. Essas construções todas são do mesmo estilo que Foz do Iguaçu e JAMAIS uma voz sensata sequer, mencionou em deixar de ter eventos nestes lugares em virtude dos novos conceitos de canal. Isso não vai acontecer nunca, simplesmente porque o que se busca no esporte é a imitação de um leito natural de um rio com significativa dificuldade de navegação, sendo os obstáculos de pedras ou de plástico.

Sidney foi o primeiro grande exemplo de autosustentabilidade de Canal de Canoagem e, por esse motivo, em todas as sedes dos demais Jogos Olímpicos tentou-se copiar o modelo de obstáculos de fundo, sempre com evoluções no sistema de desenhos e encaixes dos rapid bloks. Obviamente que o auge da tecnologia, sem nenhuma dúvida, está hoje inserida no Canal Rio, em Deodoro. Por este motivo o mais completo e desejado canal de treinamento atualmente é brasileiro e está situado na Cidade Maravilhosa, contendo trilhos no fundo que movimentam obstáculos de plásticos rotomoldados imitando aqueles jogos antigos de legos quando uma peça vai se encaixando sobre a outra, podendo as corredeiras serem adequadas (moldadas) aos diferentes níveis de evento em poucas horas de trabalho.

Para um leigo, após a análise da assertiva acima, a impressão que se tem é que nas condições mencionadas, os atletas brasileiros devem se concentrar preferencialmente na Cidade do Rio de Janeiro, ao invés de treinarem em Foz do Iguaçu, em Canal construído nos padrões antigos. É exatamente nesse tema que o País, à partir de agora, começa a levar enorme vantagem sobre seus concorrentes.

Ocorre o seguinte, hoje existem duas ferramentas olímpicas de preparação específica de acordo com os principais objetivos. Por exemplo, se o mundial for realizado em Londres, o correto será a equipe treinar no Canal do Rio, pois as características se assemelham. Porém, se o campeonato mundial for realizado na Espanha, o correto é se preparar no Canal Itaipu, exatamente pelo fato da equiparação no formato das construções.

Neste ano não tem que se discutir onde os principais atletas seniores devem estar em virtude de que o Campeonato Mundial Sênior será realizado na Cidade do Rio de Janeiro em Setembro. Entretanto, isso já não vai ocorrer para o ano de 2019, quando o principal evento que será classificatório para Tóquio2020, está previsto para La Seo d´Úrgell, na Espanha. Neste caso específico o canal ideal passa a ser o Canal Itaipu.

Não pode haver maior ou menor interesse dos atletas ou da própria Confederação Brasileira de Canoagem por este ou aquele canal. Ambas instalações são ferramentas imprescindíveis para a tão sonhada medalha olímpica. É assim que funciona o alto rendimento. São raros os países com estas condições favoráveis e não haverá nunca bairrismo exacerbado que ultrapasse a necessidade do Brasil em conseguir resultados internacionais.

Para se concluir tecnicamente a importância de se remar em condições de água diferentes, faz-se necessário conhecer um pouco do histórico da Canoagem Slalom brasileira a qual se divide em três grandes fases:

  • Período inicial até 2006, onde o Brasil “participava de corridas de Fórmula 1, dirigindo um Kart” e era piada em todos os eventos internacionais.
  • Período de 2006 a 2011, onde a Itaipu Binacional autorizou as Seleções Nacionais a treinarem no Canal Itaipu, o único da América Latina até então, e criou o Projeto Meninos do Lago, líder do Ranking Nacional da primeira e da segunda divisão até final de 2017. Neste período o Brasil aprendeu a “navegar” em canais artificiais, que é uma situação completamente distinta e muito mais complicada do que se remar em rios naturais.
  • Período de 2012 aos dias de hoje, quando então o BNDES resolveu abraçar a canoagem brasileira e investir valores equiparados ao orçamento das grandes potencias no esporte. À partir desse investimento e dos treinamentos em Foz do Iguaçu, o Brasil passou de mero frequentador da fase classificatória para finalista olímpico e campeão mundial.
    Agora, com a parceria da Prefeitura do Rio de Janeiro, é bem provável que esteja se iniciando uma nova fase também muito vitoriosa:
  • Período de 2018 quando a Prefeitura do Rio de Janeiro autorizou o treinamento no Canal Rio, deixando à disposição para treinamento o mais moderno canal de canoagem do mundo.

Diferentemente do futebol, vôlei, basquete ou qualquer outro esporte com bola, na Canoagem Slalom não existem dois campos com as mesmas características ou com regras estruturais específicas. Cada rio é um rio. Ou seja, são percursos completamente diferentes que exigem técnicas distintas. Por esse motivo no cenário internacional se explica o porquê dos atletas locais levarem inúmeras vantagens e frequentarem com mais assiduidade os pódios.

Aliás, diga-se de passagem, este foi o principal motivo do Brasil ter conquistado no “Campeonato Mundial Júnior e Sub 23 de 2015”, realizado em Foz do Iguaçu, três medalhas de bronze e uma de prata, além de conquistados várias finais. Resultados que nenhum especialista desse esporte acredita até hoje que o Brasil teria capacidade de chegar onde chegou neste evento.

Com absoluta certeza o único item que possa sugerir como fator decisivo foi o treinamento dos atletas de forma contínua no canal de competição. Não foi treinador, equipamentos ou qualquer outra estrutura montada, pois se assim fosse estas mesmas condições de equipe se repetiram em todas as demais provas até o ano de 2016 e nunca mais o Brasil chegou nem perto desses resultados. Logicamente que os treinadores internacionais e as demais infraestruturas oferecidas pelo BNDES e Itaipu Binacional foram importantes para tais conquistas, isso não se discute, óbvio que foram. Porém este montante de medalhas só veio porque o evento foi realizado no “campo de jogo brasileiro”. Somente no Canal Itaipu, a Canoagem Slalom brasileira teria condições de conseguir tantos resultados expressivos.

Agora o Brasil tem agendado duas competições internacionais importantíssimas: Campeonato Mundial Sênior em setembro de 2018 e Campeonato Mundial Júnior e Sub 23, em abril de 2019. Ambos os eventos serão realizados no Canal do Rio de Janeiro. Estrategicamente como deveria proceder a Confederação Brasileira de Canoagem visando evolução técnica que permita uma inesquecível participação nacional nesses dois eventos. Equipe Sênior em 2017 e 2018 treinando no Rio e juniores e Sub 23 em Foz do Iguaçu. Para 2019 o ideal seria a inversão devido aos objetivos principais do ano.

O Brasil já comprovou em Foz que a única forma de se conseguir grandes resultados é conhecer detalhadamente o local da competição. Neste ciclo o canal estratégico para os desportistas do mundo todo, sem dúvida nenhuma, será do Rio de Janeiro, principalmente diante do fato já divulgado de que o Canal a ser construído em Toquio será muito semelhante ao do Rio2016. Várias equipes internacionais sabem disso e já estão requerendo tranings camps anuais. Para encerrar essa questão, tem mais um tema importantíssimo para as intenções nacionais que se relaciona à última possibilidade da conquista da vaga continental para Tóquio2020. Muito provavelmente isso deverá acontecer no Campeonato Pan-americano, também previsto para o local, em março de 2020.

Outros aspectos a serem analisados com muita atenção por parte da Confederação Brasileira de Canoagem, ao se definir os locais sede das equipes permanentes, dizem respeito às questões de custos, segurança, escolas, transporte e etc, onde Foz do Iguaçu parece superar a Cidade do Rio de Janeiro, de forma que não seria acertada qualquer intenção de se deixar de treinar no Paraná, principalmente os atletas mais novos, ainda mais diante da incomparável parceria realizada com a Itaipu Binacional, que juntamente ao BNDES são os dois grandes responsáveis pelo sucesso da modalidade até os dias de hoje. Ministério do Esporte, Comitê Olímpico Nacional e o Município do Rio de Janeiro estão fazendo parte de um novo capítulo, que oxalá seja ainda mais vencedor, porém isso jamais significará que os parceiros antigos serão esquecidos. Definitivamente não existe essa possibilidade.