Austin Kieffer: Meu primeiro campeonato mundial de Ocean Racing


Tradução do relato feito pelo americano Austin Kieffer sobre o 3º ICF Ocean Racing World Championships – Hong Kong em 19 de novembro de 2017.

Contribuição e tradução de Leonardo Linhares, texto original clique aqui.

Eu estava realmente nervoso na semana anterior ao Campeonato Mundial da ICF. Foi a minha primeira participação no campeonato mundial de canoagem oceânica. A prova feminina havia ocorrido no dia anterior com clima quente e abafado, e o mar totalmente flat. Apenas 24 horas depois, porém, a temperatura caiu uns 8 graus (Celsius), entrou um swell enorme e o vento soprava a 35 nós. Condições perfeitas para a prova masculina!

Eu não poderia ter ficado mais animado com as condições e a competição, mas estava com receio da largada. No ano passado, a prova de Hong Kong teve largada embarcada. Evidentemente, eu passei o ano todo treinando para esse tipo de largada. Mas então, poucos dias antes da prova, os organizadores decidiram mudar o estilo de largada, definindo que os competidores deveriam largar ao lado de seus barcos com água na altura do joelho.

Infelizmente, eu sou péssimo para largar de pé. Talvez a história que melhor demonstre essa minha fraqueza é quando eu fiquei tão nervoso antes de uma prova na Cidade do Cabo que, quando começou, eu pulei sobre o meu ski e caí na água do outro lado, mal encostando no barco. Para piorar, fiquei tão tenso que, na minha segunda tentativa, caí de novo, desta vez do outro lado. Então, é claro que fiquei um pouco apreensivo no dia da prova e decidi adotar uma abordagem mais conservadora. Chegou o dia da prova, e a largada em si não foi ruim como eu esperava: foi pior! Em vez de um salto tímido, que poderia apenas me fazer perder um pouco de terreno, o que aconteceu foi um verdadeiro “salve-se quem puder”, com 100 remadores tentando sair para o mar ao mesmo tempo, e alguém acabou me acertando uma remada.

Decepcionante, claro, mas assim que subi em meu barco, acabou! Apesar de não ter saído ileso, eu sobrevivi à largada! Agora, pensei, é hora de trabalhar.

Parti para tentar pegar os caras da frente, pois conheço as vantagens de se estar em um grupo nos estágios iniciais de uma prova. Trabalhei arduamente, e depois de muito esforço consegui encostar no grupo principal. Uma vez lá, tentei entrar no ritmo deles. Eu sabia que havia queimado algumas fichas, mas não tive escolha. Se eu quisesse estar na briga com os melhores, teria que ficar com eles o maior tempo possível. A água mudou logo de “ligeiramente mexida” para “muito agitada”. Chegamos à primeira curva (uma ilha marcando aproximadamente 2 km de prova) e entramos no canal exposto. Aqui, o grupo começou a se separar por causa das ondas de rebote da ilha vizinha. Embora ainda estivéssemos lutando no upwind contra as ondas, de repente apareceram ondas em nossa direção também. Cory Hill decolou, e o grupo rapidamente se separou.

Eu estava na parte de trás e, quando o grupo se separou, acabei ficando preso em um lugar ruim. Tentei mudar de direção e voltar a perseguir os líderes, mas, depois da ansiedade e da agitação da largada, o meu esforço inicial para alcançar os líderes e o ritmo já extenuante, eu sabia que tinha que desacelerar. Frustrado, deixei os líderes irem embora e fui tentando encontrar meu próprio ritmo.

A coisa mais incrível do Campeonato Mundial é a quantidade e a qualidade do conjunto de atletas. Normalmente, em uma prova, quando alguém é deixado para trás pelo grupo principal, ele acaba em uma “terra de ninguém”, a uma grande distância dos líderes e do próximo grupo. Porém, nesta corrida, apenas 30 segundos depois de reduzir meu ritmo, eu já estava imediatamente cercado por outros atletas. Alguns, como eu, estavam sofrendo, e outros pareciam estar apenas acertando o passo. Eu sabia que não podia deixar minha frustração me abalar. Eu havia perdido os líderes, mas não podia deixar que isso comprometesse o meu desempenho na prova. Afinal, isso era o Mundial, e havia dezenas de atletas fortes ao meu redor que adorariam me ultrapassar se eu não estivesse focado.

Comecei a encontrar um ritmo na água mexida, e sentia, mais do que via, as ondas viajando na mesma direção que eu. Quando comecei a surfar mais, pude aproveitar breves momentos de descanso e consegui trazer meu ritmo cardíaco para baixo da zona vermelha. Em uma rápida olhada ao meu redor, percebi que havia atletas por toda parte. A gente se misturava, ora disparando à frente, ora recuando, à medida em que pegávamos e surfávamos as ondas.

Perto da metade do caminho até a próxima curva, tomei a decisão de permanecer eficiente. Eu ainda estava trabalhando duro, mas qualquer ganho expressivo de velocidade exigiria muita energia para avançar sobre as ondas e ultrapassá-las. Eu precisava de energia se quisesse terminar forte. Portanto, decidi economizar o máximo de energia que pudesse para ter uma pequena reserva e ir com tudo no trecho de downwind, onde a recompensa pelo esforço, em termos de velocidade, seria muito maior.

Quando fizemos a curva (marcando 1/3 da prova completa e o início do trecho de downwind), comecei a forçar o ritmo. Agora era a minha vez de ganhar terreno. “Pegue a primeira onda que puder e comece a evoluir a partir daí”, eu continuava dizendo a mim mesmo. Consegui pegar uma onda grande e pensei: “É isso aí! Vamos lá!”. Mas, assim que decolei como um foguete, parecia que o mundo virava à esquerda. A onda era muito maior e mais íngreme do que eu esperava. Eu havia saltado por entre duas ilhas para o oceano aberto e exposto. Fui jogado de lado e o topo da onda quebrou sobre mim! Completamente envolto em espuma, enfiei o ombro com força na parede de água quebrando, para não cair. A onda passou e eu emergi, inundado, paralisado e apontando para a direção errada. Eu tossi e engasguei tentando recuperar o ar e a compostura. “Vire de volta!”, pensei desesperadamente.

O barco começou a virar para a direção certa, mas o processo foi dolorosamente lento. Finalmente voltei a apontar na direção do vento e peguei uma onda pequena, ganhando velocidade e drenando a água do cockpit. Os atletas com quem eu estava momentos atrás agora já estavam muito à frente. Sacudi a cabeça, ainda tentando me reorientar. A distância que eu perdi foi chocante, mas isso também significava que o vento estava fenomenal. E rápido! Eu percebi que, se eu tivesse alguma chance de ganhar terreno, eu tinha que me mexer agora e maximizar meu desempenho na melhor parte do trecho de downwind.

Comecei a trabalhar. Sprint, surf, ataque, espera. O mar estava gigante e as velocidades eram incríveis. Eu reencontrei o meu ritmo e, quando sincronizei com o padrão do oceano, eu forcei ainda mais. Comecei a ganhar terreno. Rápido. Quando alcançava outro competidor, eu surfava com ele por um tempo, onda a onda, para depois disparar à frente, avançando em busca do próximo atleta.

Tive alguns momentos incríveis trocando ondas com diferentes competidores. Lutando, cabeça a cabeça, não pude deixar de sorrir. Era para isso que eu estivera treinando. Nem tanto pela colocação ou pelos resultados, mas pela chance de colocar meu condicionamento físico à prova e disputar, onda a onda, com atletas incríveis. Acho que minha atitude mudou nesse ponto, e remar ficou mais fácil. Ainda era doloroso e difícil, mas eu me senti melhor. Minha cadência ficou mais alta, meus sprints mais rápidos.

Eu pus uma distância em relação ao grupo com o qual eu estava e, ao fazer a curva final em Kissing Whales, com alívio percebi que as ondas estavam envolvendo a costeira e entrando pela baía, ajudando nos últimos 5 km até o final. Apesar do meu humor melhorado e da minha fome de ultrapassar pessoas, os últimos 15 minutos de prova foram brutais. À medida em que chegava cada vez mais perto do final, vi um último atleta que pensei que poderia pegar. Fiz tudo o que pude para persegui-lo. Ele parecia chegar tentadoramente perto quando eu subia em uma onda, apenas para escapar novamente quando eu não conseguia pular para a próxima onda. Depois, descobri que minha presa evasiva era Matt Bouman, e eu o persegui até a linha de chegada.

No final, consegui cruzar a linha em 9º lugar. Eu havia dado tudo de mim a esta prova. Remei tão forte quanto fisicamente possível, e taticamente executei uma boa corrida. Fiquei extremamente feliz com meu esforço, minha resiliência e meu resultado. Eu ainda estou muito emocionado por ser um dos top 10 no meu primeiro Campeonato Mundial!

Mal posso esperar pelos próximos dois fins de semana de provas. The Doctor, lá vou eu!

Resultados finais

1) Cory Hill – AUS
2) Hank McGregor – RSA
3) Jasper Mocke – RSA
4) Kenny Rice – RSA
5) Sean Rice – RSA
6) Jeremy Cotter – AUS
7) Mackenzie Hynard – AUS
8) Matt Bouman – RSA *
9) Austin Kieffer – EUA
10) Valentine Henot – FRA

* Nota: Matt Bouman foi desclassificado, acredita-se que por falta do uso de colete e leash.