Canoístas de Caraguá buscam apoio para disputar o campeonato mundial


Pai e filho estão entre os melhores do país, mas nem isso garante o suporte necessário

Disputar um campeonato mundial é o sonho de qualquer atleta, seja ele amador ou profissional. Na imensidão de atletas espalhados pelo mundo, em todos os esportes, apenas uma pequena parcela se aposenta ostentando o orgulho de ter representado o país em um campeonato dessa importância.

José Antonio e João Pedro

Em Caraguatatuba, dois atletas amadores de talento mais do que comprovado terão essa chance. A história é ainda mais incrível pelo fato de os dois serem integrantes da mesma família.

José Antonio da Silva, 38, é pai de João Pedro Schiavinato da Silva, 17. Ambos praticam a Canoagem Oceânica e foram convocados pela Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa) para a disputa do campeonato mundial, que acontece entre setembro e outubro, no Tahiti. A participação, porém, ainda depende de reunir os R$25 mil referentes a despesas como passagens aéreas, aluguel de barco, inscrição, hospedagens e outros gastos.

Em entrevista para o site TamoiosNews.com.br, pai e filho contam detalhes sobre a vida de atleta no Brasil, um país que nunca tratou o esporte de base como deveria; explicam um pouco da rotina de treinamentos; e, principalmente, falam sobre a expectativa para o campeonato mundial.

Tamoios News – Porque escolheram a canoagem oceânica?

José Antonio – Por ser um esporte que é totalmente integrado à natureza. E o nosso litoral proporciona ótimos locais de treino, interagindo sempre com essa natureza.

T.N. – Como foi o início de vocês no esporte?

José Antonio – Dei início por volta de 1999, através do convite de um amigo, também muito vitorioso, o Humberto Santana. No início levava apenas para manter a forma física. Até vir o primeiro convite para disputar uma competição em Angra dos Reis. Era a Copa Brasil de canoagem oceânica. Relutei um pouco, mas pela insistência de amigos acabei indo. Fui campeão geral e peguei gosto pelas disputas. Não parei mais.

João Pedro – Foi em 2006, na escolinha de canoagem do nosso amigo Humberto Santana, que foi o primeiro a dizer: “esse garoto tem um futuro brilhante na canoagem”.

José Antonio – Dito e feito. O João conquistou todos os campeonatos de estreantes que disputou, até atingir a idade necessária para virar um atleta confederado (15 anos).

T.N. – Quem são suas referências na modalidade e no esporte em geral?

José – Quando comecei tinha como referência atletas nacionais, como Sebastian Cuatrin, Antônio Cortez e Humberto Santana. Hoje me espelho em atletas internacionais como Sean Race, Tim Jacobs, Hank McGregor e Mat Bouman, que são os principais nomes nesse mundial.

João – Me espelho muito em meu pai, que foi quem me ensinou quase tudo. Mas admiro muito atletas como o santista José Marcos Mendes e o sul-africano Sean Race.

T.N. – Como é a preparação nas épocas de competição? Vocês fazem uma alimentação especial?

José – Como nossas provas têm uma variação muito grande de quilometragem, visamos cada uma delas individualmente. As provas vão de 15km até 77km, então para cada tipo tem uma preparação. Evitamos no período de conclusão de treinamento a ingestão de refrigerante e frituras. Apostamos mais em carboidratos naturais como mandioca, batata doce, inhame, sucos naturais e muita proteína.

T.N. – A Confederação Nacional de Canoagem (CBCa) não paga as despesas da viagem pelo fato de a canoagem oceânica não ser uma modalidade olímpica. É isso mesmo?

José – Bom, essa é a desculpa que nos dão hoje, pois há alguns anos ela já custeou diversas provas internacionais na canoagem oceânica. Hoje, a Confederação é patrocinada pelo BNDES. Como todo mundo sabe o BNDES vem sendo investigado por desvios de verba. Acredito que foi um dos fatores para que nós não recebêssemos nenhum incentivo deles. Até o nosso bolsa-atleta foi cortado esse ano. A crise no país, com todos os escândalos de corrupção, afetou os menores ministérios, dentre eles o dos esportes.

T.N. – Qual a expectativa de vocês para o mundial? Que colocação é possível almejar?

José – A expectativa é muito boa, já que estamos nos preparando antecipadamente desde o ano passado quando conseguimos a classificação. Hoje ainda me mantenho em 1º do ranking nacional com três vitórias nas três etapas do circuito brasileiro. Sempre que entro em uma prova, almejo o pódio, e vou brigar por ele.

João – A expectativa é a melhor possível. Estou há 3 anos como o melhor atleta júnior do país. Sou o atual líder do Brasileiro, invicto, e 5º melhor atleta do país. Tenho certeza do meu pódio no mundial, estou muito focado e quero muito isso. Se precisar, dou o meu sangue, mas subo nesse pódio.

T.N. – Quais serão os principais adversários?

José – O atual campeão mundial é o sul-africano Sean Rice. Meus adversários mais difíceis são o australiano Tim Jacobs e o sul-africano Matt Bouman, por causa da idade. O atleta mais completo este ano é Hank McGregor, que já venceu as principais provas pelo mundo em 2015. Na categoria Junior, o João Pedro terá pela frente os espanhóis Pepe Liorca e Yon bravo, que já estão sendo estudados por nós.

T.N. – A canoagem hoje é o seu ganha-pão?

José – Hoje, com o que ganho [com o esporte] não conseguiria me manter. Também sou microempresário no ramo da construção civil.

T.N. – Como foi a conversa com o prefeito Antônio Carlos e com o vereador Carlinhos?

José – Gostei muito do que ouvi. Conseguimos através do vereador Carlinhos da Farmácia uma reunião com o prefeito Antônio Carlos, e eles nos disponibilizaram R$10 mil. Essa quantia vai custear duas passagens, que custam por volta de R$5 mil cada. O poder público nos ajudou muito. Mais até do que esperávamos. Agora estamos atrás de patrocinadores privados, empresários e comerciantes que quiserem divulgar sua marca e assim conseguir o custeio total do evento.

T.N. – Existe alguma campanha para arrecadar o dinheiro?

José: Sim, temos uma página no Facebook, chamada Caraguá no Mundial de Canoagem Oceânica 2015, que pode ser acessada aqui. Meu celular pessoal é (12) 99766-5469. Qualquer interessado pode entrar em contato direto comigo.

T.N. – Contem um pouco sobre a vida de atleta amador no Brasil.

José – O atleta amador no Brasil tem que ser um super-herói. Tem que trabalhar, treinar, cuidar da família e custear todo seu equipamento e viagens. Não há um mínimo de incentivo às modalidades que não são tão famosas quanto o futebol. Encontramos muitas barreiras e portas na cara. O atleta amador tem que gostar muito do que faz. A vida é muito dura. Já pensei algumas vezes até em parar. Mas gosto muito do que faço, mesmo pondo dinheiro meu nisso.

T.N. – Como é a rotina de treinos? Existe um local de treinos em Caraguá?

José – Os treinamentos são diários, com intervalos entre treinos molhados (no mar) e secos (academia e treino funcional). Ambos com carga horária de até 4 horas.
Nós treinamos em toda a orla de Caraguá, principalmente em dias de vento, o que favorece a prática do Downwind (formato de prova do mundial), que é o treino com vento nas costas proporcionando maior velocidade. Já tentamos junto ao poder público um espaço na praia do centro onde pudéssemos guardar os caiaques e os equipamentos, facilitando nosso dia a dia nos treinamentos. Mas não obtivemos êxito. Quem sabe agora, com o mundial, não ganhamos mais visibilidade e conseguimos o tão sonhado espaço.

T.N. – Quais as vantagens e desvantagens dessa relação pai e filho na hora de treinar e competir?

José – Para mim, como pai, só vejo vantagens. Ter ao meu lado a pessoa mais especial do mundo é prazeroso demais.

João – As vantagens são que tenho pai e treinador em casa. As desvantagens são quando eu perco pro meu pai. Aí a cobrança vem junto (risos).

T.N. – João Pedro, você está estudando? Pretende se tornar profissional na canoagem?

João – Sou estudante universitário, curso administração, pois sei que a vida de atleta no Brasil é muito difícil. Sou muito orientado pelos meus pais nesse quesito. Sou atleta, mas não tenho certeza se um dia vou conseguir viver do esporte, então é melhor ter uma profissão.

T.N. – Quais os planos para o futuro, dentro e fora do esporte?

José – Bom, eu estou muito focado nesse mundial, pois tendo em vista minha idade e dificuldades financeiras para as competições, acredito que meus anos de glória estão para chegar ao fim. Talvez começar novamente com um projeto de formação de atletas.

João – No momento, minha cabeça está voltada só para esse mundial, sem deixar de lado meus estudos.

Por João Pedro Néia, do TamoiosNews