E aê “Mermão”, lembra do Zecão?


Hoje completam dois anos da morte trágica e inesperada de Zecão, que sempre foi apaixonado por esportes

Texto de Sérgio Larocca

José Agmarino de Jesus Coelho, ou Zecão como era mais conhecido, nasceu em 21 de janeiro de 1968 no bairro do Juruna em Belém do Pará, a mãe era maranhense e o pai paraense com o qual teve uma relação difícil.

Começou cedo sua história no esporte brasileiro, aos 18 anos já era jogador da escolinha de futebol do Payssandu onde foi convidado para ser goleiro, mas não conseguiu seguir com a carreira, pois, foi vítima de uma bala perdida que acertou a sua perna esquerda, apesar de ser socorrido rapidamente e encaminhado para procedimento cirúrgico para extração da bala, teve um sério problema de gangrena e sua perna teve que ser amputada.

Zecão sempre teve um temperamento difícil, era conhecido por ser um paraense “arretado”, sempre que bebia arrumava confusão, inconformado com a perda de sua perna, tornou-se alcoólatra, quase chegou ao fundo do poço, mas voltou a praticar esportes agora no time de futebol para amputados, onde teve pouco apoio e desistiu, em contrapartida, enquanto estava no time fez amizade com Elso Otavio da Silva Lima(in memoriam), de Bragança(PA) que ajudou Zecão a largar o vício da bebida, depois disso passou a praticar natação e atletismo, até ter seu primeiro contato com a canoagem através do projeto social Canoa Brasil que era coordenado pelo seu primeiro professor e técnico Evaldo Malato, juntos os dois fizeram várias expedições pelo país, em uma delas remaram durante 28 dias por 5 mil quilômetros, em um trajeto de Manaus a Belém.

Zecão se apaixonou pela modalidade e foi o precursor da paracanoagem no Brasil, sendo o primeiro atleta a participar de um campeonato de canoagem adaptada em Curitiba em 1999, em 2007 voltou a cidade para entregar alguns documentos na sede da Confederação Brasileira de Canoagem (CBCa), e por um golpe do destino, conheceu seu grande amor Maria Silvia Toledo, que na época trabalhava como recepcionista e secretária na confederação e alguns anos depois se tornaria sua esposa, Silvia conta que os dois só foram se falar mais de um ano depois, e só em 2009 Zecão mudou-se para Curitiba, foi quando os dois namoraram por sete meses antes de se casar em dezembro do mesmo ano.

Silvia e Zecão tentaram abrir um clube de canoagem na cidade, mas por questões burocráticas não conseguiram, pouco tempo depois mudaram-se para São José dos Pinhais, onde em 2010 fundaram o Clube de Canoagem de São José dos Pinhais (CCSJP) e á partir dali puderam se dedicar ao sonho de levar a canoagem e a paracanoagem cada vez mais longe. Somente em 2012 tiveram seu primeiro e único filho, Vitor José.

Zecão sempre foi apaixonado por esportes, em 2006 junto com a Seleção Paraense de Futebol para Amputados, foi campeão na Copa do Brasil de Futebol. No atletismo, participou do Circuito Paraolímpico de Atletismo e Natação, quando obteve uma medalha de ouro no arremesso de peso e duas medalhas de prata no lançamento do dardo e no lançamento do disco. Em 2007, recebeu apoio da Secretaria de Estado de Esporte e Lazer (SEEL) para completar o percurso de São Paulo a Belém, feito inédito no ciclismo paralímpico, e concorreu a uma menção no Livro Guinness dos Recordes. Em 2008, foi aceito para o Prêmio Rômulo Maiorana na categoria necessidade especiais.

Somente na canoagem Zecão dedicou mais de 20 anos de sua vida, somando ao todo, são 29 títulos brasileiros, penta campeão sul-americano, campeão pan-americano, quinto no mundial em 2015, além de ser campeão mundial na canoa em 2016 na Alemanha.

Sua missão na terra foi levar a canoagem adiante e descobrir novos atletas, quando fundou o CCSJP, correu atrás de parcerias e patrocínios, conseguiu apoio da comunidade, brigou por espaço e lutou até o fim, fortalecendo a modalidade cada dia mais, também através do clube, montou o projeto Formando Cidadão na Lagoa, um programa esportivo de iniciação e formação de atletas de canoagem e Paracanoagem, visando a busca de talentos esportivos para representação brasileira em campeonatos e competições, além de oferecer atividades esportivas e educação cidadã para crianças e adolescentes, dando oportunidade de crescimento e socialização dos mesmos, evitando a convivência com o tráfico de drogas e a violência.

Apesar de sua luta para retirar crianças do mundo do crime, Zecão teve um destino cruel. No dia 2 de abril de 2017, foi brutalmente assassinado com nove tiros á queima-roupa, em frente a mulher e ao filho de apenas três anos, quando retornava de um almoço na casa de amigos, Zecão foi morto no estacionamento do condomínio Serra do Mar II, no bairro Rio Pequeno onde morava em São José dos Pinhais. Dias antes, Zecão já tinha sido ameaçado por criminosos, pois não gostava de ver coisas erradas e sempre batia de frente com quem quer que fosse.

Hoje completam dois anos que Vitor perdeu seu pai, Silvia perdeu seu marido e companheiro, família e amigos ficaram arrasados, e a história da canoagem brasileira levou um duro golpe e perdeu um grande atleta.

Com a morte trágica e inesperada de Zecão, o clube fundado por ele que já tinha alguns problemas, passou por maus bocados e teve muita dificuldade para se manter em pé, a dor e o luto aliados a falta que fazia o pai da paracanoagem, fez com que as estruturas fossem abaladas, mas com muita garra e determinação aliada a ajuda de amigos como Leila Silva e Norton Leitão, que não desistiram de manter vivo o sonho de Zecão, foi possível manter o clube em funcionamento.

Completando 9 anos de história em julho deste ano o clube de canoagem de São José dos Pinhais se mantém como um dos melhores do Brasil, já atendeu mais de 3.500 pessoas interessadas através do projeto, além de carregar vários títulos e nomes como a paratleta Nayara Falcão, que foi campeã mundial na África do Sul em 2017, o paratleta Vander Lima campeão pan americano na paracanoagem velocidade em 2015, Leila Silva, campeã brasileira de canoagem maratona master em 2018 e Lourival Pereira dos Santos Filho na canoagem velocidade, e hoje ainda conta a ajuda de patrocinadores e parceiros importantes como: Semel, Smelj, Decathlon Torres, Acadêmia New Fire Gym, URVEC, Prefeitura de Curitiba e de São José dos Pinhais. A dimensão do sucesso do Clube e do projeto fundado por Zecão foi tamanha, que atualmente o clube já estuda a possibilidade de instalar filiais em outras cidades do Paraná para dar continuidade ao trabalho de ampliar e difundir cada vez mais o conhecimento e a prática da canoagem no país.

Em 11/03/2016 Zecão deu uma entrevista para o Jornal do Comércio Hauer onde reclamava sobre a falta de infraestrutura e segurança, e mesmo com todos os problemas Zecão disse ser muito grato a tudo que o esporte lhe proporcionou. “Para mim não tem felicidade maior do que olhar para trás e ver tudo que percorremos. Ver o nosso clube seguindo em frente entre os 10 melhores do Brasil, os meninos treinando, isso é a coisa mais incrível dessa terra”, vibra. Ele incentiva que os deficientes físicos pratiquem o esporte e conheçam a modalidade. “Quem tiver em casa acamado, venha fazer um esporte para limpar a alma. Se tiver força de vontade vai aprender. Se tiver vontade de conhecer, procure a gente”.

Esse foi o legado deixado por José Agmarino de Jesus Coelho, neste dia seria impossível deixar de lembrar desta história incrível de superação e garra, que transformou a vida de milhares de pessoas através do esporte. Só nos resta deixar nossos agradecimentos ao Zecão e aguardar que a justiça seja feita, o julgamento dos criminosos que assassinaram Zecão acontece neste mês e temos esperança de que a justiça não irá falhar nesse caso.

Essa é a homenagem de toda a equipe do Clube de Canoagem de São José dos Pinhais ao Zecão, que permanecerá eternamente nos corações e na memória de quem o conheceu. Não restam dúvidas de que onde quer que ele esteja, não poderia estar mais feliz, vendo o trabalho da sua vida sendo levado adiante, e que além do seu do legado, Zecão deixou pessoas motivadas e inspiração para que seu trabalho seja continuado.